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Justiça Eleitoral cassa 96 prefeitos por compra de voto, ficha suja e abuso de poder desde 2020

O cumprimento da Lei da Ficha Limpa figura como o principal motivo para a cassação, seguido pela compra de votos e o abuso de poder econômico e político

A sete meses das eleições municipais, levantamento feito
pelo GLOBO aponta que pelo menos 96 prefeitos eleitos em 2020 perderam seus
mandatos, o equivalente a dois chefes de Executivo por mês desde que assumiram
seus postos. O cumprimento da Lei da Ficha Limpa figura como o principal motivo
para a cassação, seguido pela compra de votos e o abuso de poder econômico e
político. O estado com o maior número de trocas é São Paulo. Já os partidos que
mais perderam municípios foram o MDB e o PSDB. Para especialistas, apesar da
morosidade da Justiça e os muitos recursos apresentados pelas defesas dos
políticos, o número de cassações é considerado expressivo.

De acordo com o levantamento, que teve como base informações
divulgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a realização de eleições
suplementares, 56 prefeitos eleitos em 2020 foram enquadrados na Lei da Ficha
Limpa. As irregularidades que levaram à inelegibilidade dos candidatos passaram
pela rejeição de contas de governos anteriores, condenações por improbidade
administrativa, danos ao Erário e penas criminais, além do uso irregular dos
meios de comunicação.

“Resultado expressivo”

A compra de votos também desponta como uma prática enraizada
nas eleições municipais. Ao menos 15 investigações resultaram em cassação. Já o
abuso de poder político e econômico, como gastos de campanha que superaram o
previsto pela legislação eleitoral, renderam 12 cassações. Há também entre os
motivos para as condenações questões como irregularidades na prestação de contas
de campanha e nos registros de candidaturas e partidos. A desincompatibilização
de cargos públicos fora do prazo determinado pela legislação e os chamados
grupos familiares — quando parentes diretos são eleitos e configuram um
terceiro mandato consecutivo, o que é proibido — também pesaram nas decisões da
Justiça Eleitoral.

 — A julgar pela morosidade da Justiça, conseguir condenar
quase 100 prefeitos é um resultado expressivo. Situações como a compra de votos
estão ainda muito forte nas eleições, assim como as comunidades “fechadas
eleitoralmente” com o crime, como as regiões dominadas pelas milícias — afirma
a professora e doutora em Políticas Públicas pela Uerj, Mônica Rodrigues.

Os municípios considerados pequenos, com até 50 mil
habitantes — de acordo com a classificação do IBGE —, lideram o ranking da
dança das cadeiras. No total, 38 cidades com populações entre 10 mil e 50 mil
habitantes tiveram mudanças na prefeitura; seguidas pelas de 5 mil a 10 mil,
com 29 cassados, e as de até 5 mil moradores, 16. O montante dos três grupos
representa 86% dos municípios que tiveram novos prefeitos motivados por
cassações. As cidades com população entre 50 mil e 100 mil somaram dez
substituições, e as com mais de 100 mil, três.

— Infelizmente, as cidades menores são mais vulneráveis
porque não existe trabalho e o maior empregador é a prefeitura, através de
cargos comissionados, em que o concurso não é necessário. Isso só alimenta o
ciclo do clientelismo — afirma Mônica, ao destacar a importância do voto. — O
dia em que o eleitor entender e acreditar que o voto é a melhor arma para
“fazer justiça”, teremos chegado a uma sociedade melhor. Tem gente que se
orgulha de não votar porque os políticos são ruins. Isso só ajuda os piores a
se manterem no poder.

O levantamento feito GLOBO também indica que MDB e PSDB
foram os partidos com mais prefeitos que perderam mandatos: ao todo 14 cada. Em
seguida estão PL e PSD, com 11 cada; PP, dez; seguido pelo antigo DEM, com
oito; Republicanos e PDT, cinco cada. Já entre os estados, São Paulo lidera o
ranking, totalizando 20 prefeitos cassados; Rio Grande do Sul, dez; Minas
Gerais, oito; Santa Catarina, Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro cinco cada.

De dinheiro a novilhas

A prática de compra de votos foi comprovada em 15 ações que
renderam a cassação de prefeitos. Com apenas 2,3 mil habitantes, Cerro Grande,
no Rio Grande do Sul, é uma das cidades em que houve eleição suplementar.
Valmor José Capeletti (PP), eleito em 2020, perdeu o mandato após ação em que o
Ministério Público Eleitoral) acusou sua chapa de compra de votos e abuso de
poder econômico. As investigações chegaram a um grupo de cabos eleitorais que
teria feito ameaças e praticado violência contra eleitores para obrigar o voto
em Capeletti. Onze pessoas foram denunciadas. À época, o prefeito cassado negou
ilegalidade.

Na pequena cidade catarinense de Presidente Castello Branco,
com cerca de 1,6 mil habitantes, o então prefeito Tarcílio Secco (PL) também
foi acusado de compra de votos e abuso de poder econômico. As denúncias davam
conta de entrega de dinheiro vivo a brita para construção. À época, Secco negou
as acusações.

Já em Itapemirim, cidade de 35 mil habitantes do Espírito
Santo, o TSE cassou por unanimidade o então prefeito reeleito Thiago Peçanha
(Republicanos), por abuso de poder político. Em troca de apoio político para
sua reeleição, o político teria feito contrações irregulares de funcionários
para a prefeitura em seu último ano de governo em benefício à sua candidatura e
aumentado propositalmente os investimentos em um programa de distribuição de
novilhas para pequenos produtores, com o mesmo objetivo. Peçanha negou as
acusações.

Troca de benefícios

Para Mayra Goulart, professora de Ciência Política da UFRJ e
coordenadora Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada — grupo que
publicou no ano passado o primeiro volume do Guia de Eleições Municipais com
informações sobre o Estado do Rio —, existem candidatos com uma estrutura de
campanha que sustenta essa prática antiga de trocar benefícios por votos. Mas a
pesquisadora alerta que hoje, muito além da compra de votos, as eleições têm
como desafio a violência e a coação contra eleitores, funcionando também como
uma forma de controle das urnas e abuso de poder:

— Muitos políticos têm equipes de trabalho que cuidam dessa
questão da compra de votos. Cabos eleitorais organizam a entrega de benefícios,
e a compra de votos acaba incluindo uma gama de produtos e serviços que vão
desde a entrega de uma camisa a cestas básicas ou dinheiro. Mas hoje a compra
de votos vai além disso e também passou a envolver a violência, a ameaça, a
coação contra os eleitores que não votarem em determinados candidatos. São
práticas muito perigosas que também têm de ser pensadas.

Para Mayra, a eleição municipal é o momento em que o
político está mais próximo dos eleitores e que a cassação de um mandato
representa não só a perda de mandato, mas também a interferência do Judiciário
em uma vontade do eleitor, expressa pelo voto:

 — É importante também destacar o risco de interferência na
vontade da população. O voto é precioso.

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