Governo negocia novos acordos com empresas alvo da Laja-Jato que devem R$ 8,2 bilhões
Sete empreiteiras vão se reunir com integrantes da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Advocacia-Geral da União (AGU) a partir desta terça-feira para tentar reduzir os valores devidoS
Sete empresas alvo da Lava-Jato, que têm dívidas somadas de
R$ 8,2 bilhões provenientes de acordos de leniências firmados no curso da
operação, vão se reunir com integrantes da Controladoria-Geral da União (CGU) e
da Advocacia-Geral da União (AGU) a partir desta terça-feira para tentar reduzir
os valores devidos. De acordo com integrantes do governo que estarão à frente
das conversas, há disposição em negociar prazo e modelo de pagamento. As
empreiteiras, porém, têm planos maiores e não querem limitar a discussão à
engenharia financeira do acordo: buscam reduzir multas e “requalificação
jurídica” de fatos narrados em delação para responder por delitos menores.
A percepção de integrantes do governo é de que as empresas
de fato perderam capacidade de pagamento e, diante disso, algumas medidas devem
ser tomadas para evitar que elas fiquem inadimplentes. No limite, se a situação
se prolongar, a CGU teria de decretar a inidoneidade das empreiteiras, vetando
que disputem licitações. A medida enterraria as chances de elas se
restabelecerem. Por isso, aumentar o prazo de pagamento e permitir o uso de
créditos tributários e precatórios são alguns caminhos citados para dar fôlego
às empresas.
Na outra ponta da mesa, a ideia das companhias, além da
negociação da dívida, é obter aval para “requalificar” juridicamente alguns dos
fatos narrados nas delações. O objetivo é convencer a Justiça e o governo de que
episódios descritos como propina foram, na verdade, casos de “caixa dois” de
campanha e, portanto, um crime eleitoral. Com isso, os delitos seriam menores,
e a multa poderia ser reduzida.
A estratégia tem como pano de fundo uma necessidade
financeira das empresas, mas atende a interesses mais amplos. As empreiteiras
acreditam que podem abrir caminho para atenuar também as penas dos delatores.
Segundo um ex-empreiteiro, que conversou com o GLOBO sob reserva, o
entendimento é que pode existir conexão entre os dois assuntos: havendo
reconhecimento de que um ato foi doação eleitoral em vez de corrupção, a
punição do delator também poderia ser revista.
À mesa com o governo — Foto: Editoria de Arte
Possível ida ao STF
O governo já diagnosticou o movimento. Por isso, a tendência
é que as decisões mais complexas sobre a validade de provas sejam submetidas ao
Supremo Tribunal Federal (STF), afirmam negociadores.
O movimento de trazer as empreiteiras à mesa de negociação
ocorre após decisão do ministro André Mendonça, do STF, que suspendeu por 60
dias o pagamento das multas para que elas tentem chegar a um novo acordo com
governo e Ministério Público. Das nove empresas da Lava- Jato que fecharam
leniência com a CGU entre 2017 e 2019, somente duas já pagaram tudo que deviam
(a Samsung Heavy Industries e a empreiteira Coesa, desdobramento da ex-OAS).
As sete restantes se comprometeram a pagar R$ 11,5 bilhões,
mas liquidaram menos de um terço do combinado, segundo levantamento feito pelo
GLOBO. O governo, portanto, ainda teria a receber R$ 8,2 bilhões. É este
estoque que agora está sob debate. As empreiteiras argumentam que não
conseguiram se reerguer e não têm como pagar o prometido.
Crítico da Lava-Jato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) chegou a afirmar em março do ano passado que se as empresas “fizeram
bobagem, elas têm que pagar o preço”, mas que “não pode quebrar empresa como
quebrou”.
Neste primeiro encontro, o governo vai explicar como as
conversas vão transcorrer. O ministro Vinicius Carvalho, da CGU, deve abrir a
reunião. A ideia é que, nas próximas semanas, sejam conduzidas conversas
individuais, nas quais cada empresa tratará de seu caso em profundidade.
O acordo de leniência é uma espécie de delação premiada das
pessoas jurídicas. Por meio dele, empreiteiras como Odebrecht (atual Novonor) e
Camargo Corrêa (hoje CCCC) reconheceram que pagaram propina a políticos e
fraudaram licitações e, em troca, receberam benefícios como descontos na multa
devida e facilidades para voltarem a contratar com o poder público.
Procuradas, Novonor, CCCC, Andrade Gutierrez e Braskem não
quiseram comentar. UTC, Methae Nova Participações não retornaram.
Além da renegociação, Mendonça também determinou que,
durante este prazo de 60 dias, MP, CGU e AGU debatam os termos de um novo
protocolo para acordos de leniência. Há o desejo de que se construa um “balcão
único” de negociação, com regras comuns para atuação de todos esses órgãos.
Governo e MP divergem
As empreiteiras atingidas pela Lava-Jato firmaram
inicialmente acertos com o Ministério Público, que tocava as investigações.
Havia interesse por parte delas de livrar da cadeia os executivos, que se
tornaram delatores. Mas o acerto com o MP não protegia as companhias de
questionamentos de outros órgãos, como CGU e Tribunal de Contas da União (TCU),
e de ações oferecidas pela AGU. Por isso, novos acordos — com valores ainda
maiores — tiveram de ser assinados para cobrir todos os prejuízos causados ao
poder público. Boa parte do valor acertado nesses acordos ainda não foi
quitado, e há parcelas em atraso.
As conversas com as empreiteiras começam formalmente agora,
mas o debate entre governo e Ministério Público em busca de um protocolo para
os acordos já está em andamento. Uma primeira reunião ocorreu na semana passada
e há previsão de nova rodada de conversas nos próximos dias.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) sugeriu que, no
“balcão único” a ser criado, os casos comecem pela avaliação do Ministério
Público, por ser o único capaz de abrir mão dos processos criminais num acordo.
A CGU faria sua análise após o aval dos procuradores e calcularia então o valor
da multa a ser pago pela empresa. A partir disso, a AGU entraria para firmar os
acordos e acompanhar a execução, juntamente com o Tribunal de Contas da União.
A proposta do MP encontrou resistências no governo. O
diagnóstico é que isso poderia abalar a capacidade dos órgãos de conduzir suas
próprias investigações, já que eles teriam de aguardar as bênçãos do MP para
prosseguir.
As primeiras interações indicam caminho difícil até um
acordo. Há clima de colaboração quando todos sentam à mesa, mas de grande
desconfiança nos bastidores. Integrantes do governo não poupam o MP de críticas
ao apontar os muitos problemas nos processos da Lava-Jato. Na PGR, há
desconforto com o movimento de renegociação dos acordos já firmados e defesa da
necessidade de os procuradores terem palavra decisiva no andamento da
negociação com empresas, o que é rechaçado por CGU e AGU.
Da Agência Globo/