A vingança de Lira: espaço à oposição e desgaste do governo
Escalada de tensões com autoridades do governo motivou o avanço de cinco CPIs simultâneas na Câmara Após a escalada da crise com o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e a demissão de um primo da chefia do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Alagoas, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) afirmou ontem a líderes partidários que vai abrir espaço à oposição para medidas com potencial de desgastar o governo. O deputado disse que vai autorizar a instalação de cinco Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) simultâneas, movimentação que preocupa o Executivo, e dar andamento a iniciativas que impõem freios ao Judiciário — o ideal para o Palácio do Planalto era esfriar os ânimos entre os Poderes.
Arthur Lira, presidente da Câmara, liderou um movimento que resultou na aprovação, de forma inesperada, da urgência para a tramitação do projeto de lei 895/2023, que impõe sanções administrativas e restrições a ocupantes de terras rurais e urbanas. Este projeto faz parte de um conjunto de medidas que visam dificultar a atuação política do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
A decisão de dar urgência veio após o início do Abril Vermelho, período em que as ocupações de terra e outras atividades dos militantes são intensificadas. Tal iniciativa ocorreu logo após o presidente Lula exonerar o superintendente regional do Incra de Alagoas, Wilson César de Lira Santos, primo de Arthur Lira, responsável por definir a pauta de votações na Câmara.
Após Lira chamar ministro de incompetente, governo exonera seu primo, Wilson César ocupava o cargo desde 2017.
Além da demissão do primo, os conflitos com o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, apoiado por Lula, provocaram a atual ofensiva de Lira contra os interesses do governo. Ele também anunciou que vai acelerar a tramitação de outras questões de interesse da oposição, como a criação de Comissões Parlamentares de Inquérito.
A votação do pedido de urgência para o projeto que penaliza movimentos populares pegou os parlamentares de esquerda de surpresa, causando revolta.
Após os acordos feitos pelos líderes das bancadas, o pedido não estava incluído na lista de pautas a serem avaliadas nesta terça-feira. José Guimarães (PT-CE), líder do governo, expressou sua insatisfação no microfone, pedindo que o rito da Câmara fosse restabelecido e destacando a falta de acordo para a votação do PL 895. O projeto aguarda análise na CCJ e ainda não tem parecer do relator, o deputado Ricardo Salles (PL-SP), que foi ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro. A votação da urgência resultou em 293 votos a favor, 111 contra e uma abstenção, com orientações diferentes das siglas presentes.
A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) disse que a votação foi uma “desagradável surpresa”. “Isso não foi tratado na reunião. Nós fomos pegos de surpresa porque tínhamos entendido que a pauta que estaria no plenário neste momento era uma pauta tranquila, quase consensual, e de repente voltam os projetos de criminalização dos movimentos sociais. É um projeto descabido, que ataca os direitos humanos, um projeto que não deveria estar como primeiro item da pauta. Qual é a finalidade dos acordos que nós fazemos como líderes para sermos surpreendidos aqui com estes projetos nefastos e horrorosos?”, questionou.
Com a aprovação da urgência, as lideranças partidárias ficam autorizadas a votarem o mérito do PL 895 a qualquer momento. No sistema da Câmara, o projeto foi apensado ao PL 709/2023 e outras propostas, o que significa que eles tramitam em conjunto.
O carro-chefe do grupo é o PL 709, que veda o recebimento de auxílios de programas federais por parte de ocupantes de terra. O texto também proíbe a nomeação para ocupação de cargos públicos efetivos ou em comissão, bem como impõe outros impedimentos ao segmento.
CCJ
A ala conservadora da Câmara lançou uma ofensiva contra o MST na CCJ, onde teve início, na tarde desta terça-feira (16), a análise de uma proposta que permite aos proprietários rurais solicitar a intervenção policial para remover ocupantes de terras sem autorização judicial, indo contra a legislação atual.
O projeto de lei (PL) 8262/2017, elaborado pelo ex-deputado André Amaral (Pros-PB) e com parecer favorável do relator Victor Linhalis (Podemos-ES), foi discutido na sessão de hoje, que foi interrompida devido ao início da ordem do dia no plenário da Casa. A votação e a avaliação do mérito do PL foram adiadas para amanhã (17).
Conhecido como “Pacote Anti-Invasão”, esse projeto faz parte das medidas anti-MST propostas pela oposição bolsonarista. Durante a sessão da CCJ, parlamentares progressistas se opuseram à votação desse e de outros projetos que visam reprimir o movimento.
Também estava na pauta desta terça, por exemplo, o PL 4183/2023, de autoria do deputado Coronel Assis (União-MS) com o apoio de outros 23 signatários, que impõe a movimentos populares a obrigação de terem personalidade jurídica. Esse texto também tem voto favorável do relator, Alfredo Gaspar (União-AL), mas não chegou a ser avaliado nesta terça.
A presidenta da CCJ, Caroline de Toni (PL-SC), disse, em reunião com parlamentares pouco antes da sessão do colegiado, que vê a aprovação dos PLs anti-MST como uma necessidade de “dar uma resposta ao Abril Vermelho”.
Patrus Ananias (PT-MG) afirmou que “este é um momento de retrocesso lamentável”.
“A comissão está explicitando as suas posições — uma parte delas, pelo menos —, infelizmente com adesão da presidência. Está fazendo uma clara opção ideológica e, inclusive, deixou claro conosco [em reunião] que a pauta de hoje tem a ver com o Abril Vermelho, como se coubesse à CCJ um papel de repressão dos movimentos sociais.” O petista lembrou que tais projetos têm como pano de fundo questões relacionadas à desigualdade no campo. “Uma dessas questões é a da propriedade. Nós respeitamos o direito de propriedade, mas ele não é absoluto. Direito sagrado é o direito à vida.”
A deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) esteve entre os parlamentares que levantaram a voz contra os projetos. Ela destacou que, ao longo da história, os povos indígenas foram dizimados porque, entre outras coisas, sua luta por direitos foi oprimida por ações políticas que dialogam com a lógica dos PLs inseridos na pauta da CCJ.
“Esta pauta que está aqui em jogo fala muito da criminalização direta de movimentos sociais. Se querem realmente acabar com a luta no campo, com a luta do MST, vocês têm que fazer cumprir o direito constitucional à reforma agrária.”
Para Chico Alencar (PSOL-RJ), a articulação política contrária ao MST lembra o que chamou de “velho coronelismo”. “Eles fazem da CCJ um campo de batalha, mas nós estamos aqui pra resistir, pra ocupar e produzir outras propostas, que não são essas de prender e punir quem luta por justiça agrária. Isto aqui é uma prova de resistência”, disse ao Brasil de Fato.
Nos bastidores da Câmara, a leitura geral é de que, por ter maioria na CCJ, a ala mais conservadora tende a obter a aprovação das propostas que miram o MST, ainda que talvez a apreciação de alguns projetos demore.
“No plenário, tudo depende do centrão, que é o fiel da balança. Talvez lá seja mais difícil, mas não sei. A mobilização da sociedade também é muito importante nesse processo. Não me arrisco a fazer nenhum prognóstico para o plenário, nem de vitória, nem de derrota. Daqui pra frente é luta”, diz Alencar.
Outras manobras de Lira
Além disso, Arthur Lira anunciou nesta terça-feira em reunião com líderes partidários que deve destravar pedidos feitos pela oposição, como a criação de cinco Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) e um Grupo de Trabalho (GT) para elaborar uma proposta de reação contra operações judiciais visando deputados.
O regimento da Casa limita em cinco número máximo de CPIs em funcionamento simultâneo. Entre os requerimentos com o número necessário de assinaturas estão colegiados que pretendem apurar o “tráfico infantil e exploração sexual”, o “avanço do crack”, o “crime organizado”, o “abuso de autoridade do Judiciário”, as “passagens promocionais”, as “concessionárias de energia Ambar Energia e Karpowership no Brasil” e as “concessionárias de distribuição de energia elétrica e pedidos de conexão de Micro e Minigeração Distribuída”.
Outra iniciativa é confrontar o Supremo Tribunal Federal (STF). A Câmara vai criar um grupo de trabalho para elaborar uma proposta em reação a investigações contra parlamentares.
Operações da Polícia Federal contra os deputados Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Carlos Jordy (PL-RJ) e a prisão de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), alimentaram entre congressistas a vontade de impor freios.
Um dos projetos ficou conhecido como “PEC da Blindagem” e discute, entre outros pontos, exigir que o Congresso dê autorização para o início de apurações contra parlamentares e acabar com o foro privilegiado de congressistas, o que empurraria todos os processos à primeira instância.
Em direção contrária, o STF decidiu na semana passada estender o foro, amarrando um maior número de processos na Corte. Há ainda a intenção de proibir operações de busca e apreensão nas dependências do Parlamento.